4 dias

Lígia
3 min readOct 27, 2022

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Estamos a 1 dia do aniversário de Lula e a 4 dias das eleições mais importantes das nossas vidas. Meus ombros estão travados e nesse momento histórico eu queria muito alguma coisa pra me anestesiar — um amor me lambendo a nuca, uma massagem no corpo e na alma, um orgasmo, um brownie bem chocolatudo com doce de leite, uma maconha das boas que me fizesse perder o fio de pensamento, voltando a ser um bebê inocente que entende muito, mas muito pouco. Queria uma maquiagem bonita de salão de beleza, receber um presente inesperado de aniversário atrasado, fazer algumas comprinhas online mesmo que tenham caixas da Sephora na portaria que eu ainda nem busquei. Queria qualquer coisa prazerosa que me tirasse desse presente insuportável, das pesquisas eleitorais às inscrições de provas, dos tios e tias fascistas que excluí da minha vida sem nem um esboço de luto (só existe a náusea e o horror) aos estadiamentos de tumores tão familiares que cansam minha vista e me dão vontade de gritar.

É importante conversar com todas as pessoas ao seu redor, clamam as campanhas, meus deputados e vereadores, as mídias, os vários grupos de zap que decidi participar por princípio. É importante virar voto, é importante a guerrilha, é importante a família. É importante poupar energia, alertam os especialistas. A maioria das pessoas já está decidida e, independente de quem vença, será uma maratona extenuante e muito cara. Diante da imensidão deste buraco onde a jovem democracia brasileira se meteu (foi empurrada, eu sei, ao som de risadas nefastas de neoliberais pinochetistas e vampiros), eu, do alto do meu apartamento no Jardim, no abc paulista, estou pagando o preço de ter largado concurso, emprego, certezas, por acreditar num projeto de país, de cuidado, de laços e subjetividade, por vislumbrar meu desejo e finalmente decidir ir atrás dele. Faria mil vezes de novo a mesma escolha, confio no meu caminho, mas como no geral o presente me dá uma surra, meu deus.

Depois de assistir Argentina, 1985, penso que precisaremos lavar toda a roupa encardida e fedorenta da nossa história, transmitir no Jornal Nacional, na fachada dos edifícios das capitais, nos estádios de futebol, nos vôos internacionais, nos enredos de novela, nos trailers de cinema, no almoço do restaurante por kilo, nos rádios do centro da cidade, vamos ter que condenar os militares nos tribunais e nas propagandas da copa do mundo, mandar pra cadeia, tornar inelegíveis, extirpar as pensões vitalícias, comemorar nas escolas o dia em que a ditadura acabou (agora fiquei com uma dúvida honesta: comemorar as diretas de 1,5 milhões de pessoas em 16 de abril de 1984, as eleições de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985 ou a posse de Sarney em 15 de março de 1985?). Tá vendo. Vamos ter que botar os vídeos de Bolsonaro defendendo um torturador que enfiava ratos nas vaginas das mulheres e que negou vacina para milhares de pessoas que poderiam estar vivas num museu da barbárie, para que assim se possa criar memória invés de silêncio. Será preciso prendê-lo no único inferno possível, longe de suas inóspitas desinfluências e trambiques milicianos.

Ao se dissolver um extermínio, é preciso estar atento a qualquer mancha vermelha numa vidraça de livraria, pois a cor da vitória ofegante se parece muito com a cor de sangue saindo em jato. Nada será aceito de bom grado, e eles continuarão portando armas. Para nos inspirar, podemos olhar para a coragem do povo argentino. Estou muitíssimo admirada, temos tanto que aprender. Penso que tenho tantos lugares pra conhecer, e Buenos Aires está no topo da lista, junto com a Nápoles de Ferrante e os idiomas que eu quero aprender, junto com com todas as partes lindas do Brasil que serão responsáveis por tirar a gente desse pesadelo. Seremos a subversão viva, cheios de arte, intuição e rodas, e eu, que passei grande parte da minha vida sendo majoritariamente uma observadora assídua, me desprendo da Lenu encapsulada e etérea para ser uma mulher que fala.

Amigas e amigos, NUNCA MÁS!

Vamos vencer domingo.

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