despedida kit

Lígia
2 min readAug 25, 2021

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você diz que seus letreiros são

feitos de cidade

dispersa na janela do seu quarto-casa

miro a vista tão vulgar do que poderia

ser uma capital mas não é

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eu nem me permitia devanear sobre ter algo com você agora, o que automaticamente me levou neurótica e contida a submeter planos modestos, planos econômicos pragmáticos políticos, quem sabe um futuro bem distante com mais cabeça mais dinheiro menos fogo no cu. tudo isso pra dizer que não era gostar tanto assim, o que na realidade me custou muito.

para a minha psicóloga eu jogava a sua figura como uma possibilidade fálica diferente da que eu conhecia e que portanto era tudo que eu queria, eu concisa e afiada insistindo na função e que não era você.

para as minhas amigas era mais um que eu escolhia insistia e conseguia, afinal olha pra mim.

quando eu era protagonista de um enredo em declínio (lá atrás começo da pandemia 1000 mortes por dia etc) é sem vergonha nenhuma que eu afirmo que o chifre só não veio porque você não quis.

agora na sua vizinhança deflorada e cercada eu me encontro ainda mais externa, descamponesa, de modo que até as migalhas mais frescas situam-se num lugar descampado e escuro, longínquo demais para que eu sequer consiga apanhá-las.

vejo mais uma vez nossa foto de cabecinhas tombadas, o bigode que eu gosto argolas sorrisos mútuos felizes de verdade o descolorante quase da cor do cabelo dela.

você que nunca assumiu nada. você que nunca assumiu ninguém.

eu te dei tudo, minhas falas, minhas horas, minhas citações tímidas e elaboradas e que eu quase não mostro. meu lado médica, meu lado artista, meu lado puta amante meretriz. te namoraria. até toda a minha indiferença eu te dei, pra ver se você ficava com menos medo.

tentei te conquistar de todas as maneiras que eu conheço.

te dei todo o meu amor.

te dei todo o meu poder.

não consegui me apaixonar por mais ninguém.

agora nem mais seu olhar condescendente eu recebo. você desaprendeu a falar o meu nome, o meu signo. nossa terra foi dada à sorte, pisando nas vontades contidas somente nas entrelinhas, despovoada de um amor que eu esperei esperei e que não veio.

vou ao seu encontro uma última vez porque quero que você saiba que dói.

do alto do seu redondo eu me despeço.

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