Lígia
2 min readMar 11, 2021

Eu estou começando a te esquecer lentamente, esquecendo seu cheiro, seus olhos, seu jeito de virar pro lado à noite imediatamente antes de dormir.

Por outro lado, a sua presença nos meus sonhos está mais sólida do que nunca. Toda a efemeridade da sua imagem que me afligia durante aqueles 3 anos agora é cristalina como água de fonte. A culpa está se dissolvendo junto com os resquícios mortais das últimas marmitas que você deixou no congelador, assim como as últimas brejas que meu pai comprou pra você, que eu já bebi com outro cara. Eu já dei pra outro cara, amor. Você até que ia gostar dele, da mesma forma que você ficaria altamente intimidado. Ele não me comeu que nem você, ele não sabe o que eu gosto, ele apagou a luz assim que a gente entrou no quarto. Ninguém teve culpa. Ver nossas fotos tão novinhos em 2017 me enche de um sentimento doce e ingênuo, saber que nunca eu fui tão pura, tão singela e imprudentemente feliz. Nenhuma droga no mundo conseguiu me fazer esse efeito, que você, minha paixão maior, meu oásis perfeito, me fez.

Eu tinha medo de que você fosse fazer intercâmbio em Portugal porque eu tinha medo de perder o controle; eu largaria absolutamente tudo que eu tinha, a medicina, as meninas, a minha solidão, eu arrumaria uma mala bem cheia e iria com você pra onde quer que você me levasse. Eu respirava amor, idealização, magia e sexo, eu fiquei um semestre inteiro sem saber o que se passava na faculdade porque só conseguia pensar em você. Eu era feliz e sabia. Eu não ligava para o meu cabelo, para a minha pele, para as minhas roupas, eu acordava e ia dormir pensando em quanto tempo faltava pra eu te ver de novo, ou se você já estivesse do meu lado eu pedia pra santo Nietzsche eternizar aquele retorno infinitamente gracioso. Você era meu verão de praia e meu frio de montanha, meu companheiro de aventuras e do banal mais tedioso. Meu descanso e minha maldição.

E então toda essa urgência que eu sentia, que logicamente foi se transformando em uma estabilidade boa ao longo do tempo, não deixou apenas de ser uma urgência para uma empolgação pequena, reservada, mas sim para uma ausência total de empolgação. De repente era sexta-feira e saber que eu ia te ver não fazia mais a menor diferença. De repente eu fiquei sozinha num domingo qualquer e eu senti minha alma vibrar com um samba do Paulinho da viola, abri uma cerveja enquanto cozinhava um frango com quiabo da feira e dancei. Eu pensava em você e o coração batia frustro, já não me afetava. Queria continuar sozinha nos meus domingos vivos. Nos meus domingos todos. Você estava do meu lado e eu não conseguia sentir mais nada além de um enorme carinho. Por isso eu terminei, para que essa história linda em mim nunca se acabasse.

Campinas, 10/12/20